Sabe aquele ditado: “os inimigos dos meus inimigos meus amigos serão?”. É sobre isso que se trata o ressentimento político que afeta o comportamento da maioria dos eleitores brasileiros.
Todos nós sofremos com inúmeros complexos. A rejeição, apesar de ser uma ilusão, como eu costumo falar, também provoca uma dor, e essa dor não é ilusória.
Estamos todos querendo ser validados no auge do nosso narcisismo, através dos nossos atributos, que obviamente consideramos bons, belos e morais. Ora, são os nossos atributos que constituem nossa identidade.
Somos seres sociais, mas bastante solitários. Não nos damos conta mas o advento das redes sociais que nos possibilitam expressar nossos sentimentos, desejos e visões de mundo é bem recente.
Vivemos em uma sociedade extremamente hierarquizada e autoritária. Eu, embora me considero um pouco novo, faço parte de uma geração que foi silenciada na escola. Que não tinha direito a ter opinião formada. Que não tinha direito ao questionamento. No meu tempo de escola, era comum professores fazerem bullying com alunos questionadores, com direito a humilhações em público.
As redes sociais nos aparecem como um oásis no deserto. Nós, que no geral, não fomos educados e educadas para aprender como nos relacionar, como fazer amigos, como manter boas relações. As redes sociais nos aparecem então como uma excelente oportunidade para procurar um bando, para ir até outros bandos, para expressar nossa opinião, nossa visão de mundo, o que achamos sobre algo.
Nossos comportamentos ainda são tão primitivos...Quando entramos num bando (grupo de Whatsapp, página de algum influenciador que pensa diferente, grupo no Facebook, Twitter etc) e não nos comportamos de acordo com o que o bando espera, somos massacrados, expulsos, cancelados, ofendidos e não é porque está acontecendo no meio virtual que isso doa menos ou simplesmente não doa. Que isso não mexe com traumas relacionados à rejeição.
Sei que nos achamos muito especiais mas somos animais, tá gente? Quando um animal de outra espécie entra num bando de outra espécie, ele é presa. Os animais vão se defender dos invasores, assim como nós em nosso meio social também fazemos.
Lembram do filme O Rei Leão? Scar é um ressentido. Ele é expulso do seu bando. Ele queria ser o Rei da Selva mas ele não tem os atributos necessários. O que ele faz? Vai buscar apoio no bando inimigo. As hienas que também odeiam o bando que o rejeitou. Scar faz alianças políticas com o bando igualmente rejeitado e desprezado pelo bando que ele fazia parte. Essa é a nossa vida social e política.
Simba também é um ressentido. Apesar de não ter sido expulso do seu bando, ele sabe que não agiu conforme o esperado. Simba foge de seu bando e encontra amor e acolhimento em outro bando, que não partilhava da mesma natureza que ele: caçador. Mas o poder do acolhimento do bando é tão forte, mas tão forte, que Simba, um leão, vira herbívoro para fazer parte daquele grupo.
O que Scar e Simba têm em comum? Ambos são ressentidos desejando o poder.
Vamos buscar estar em grupo que nos acolha. Se temos apenas um traço de comportamento parecido com o grupo no qual passamos a pertencer, o grau de afeto que desenvolvemos com tal grupo vai fazer com que a gente queira proteger esse grupo. Que queiramos pertencer por completo a esse grupo. Nos fundir a ele. Quanto mais acolhimento, reconhecimento e identificação estabelecemos com um grupo, mais seremos capazes de fazer qualquer coisa para preservá-lo. Inclusive defender líderes que se apresentem igualmente como “um dos nossos”, ainda que eles sejam repletos de contradições. Porque isso não importa. O que importa mesmo é a busca pela preservação.
A neurociência explica muito bem a influência de grupos em nossos comportamentos, em nossas tomadas de decisões, em nossos posicionamentos. É perto dos bons que nos tornamos melhor. A nossa tomada de decisões é influenciada pelo ambiente e pelas nossas relações interpessoais. O comportamento decisório de um indivíduo é autoadaptativo, resultante da interação entre o indivíduo e o ambiente em que ele está inserido.
A coisa mais perigosa que pode nos acontecer é nos fecharmos em um grupo específico. Nossa identidade fica fixa e ficamos repletos de pontos cegos. Porque a tendência será sempre de enxergar a alteridade como inimiga. O fundamentalismo anda lado a lado com o comunitarismo.
A única forma de trabalharmos a nossa ignorância é nos abrindo ao desconhecido. É o contato com o novo que nos faz perceber a nossa própria ignorância. E é apenas no reconhecimento da nossa própria ignorância que podemos nos movimentar para tentar para tentar compreender a realidade, como uma criança surpresa tentando desvendar aquilo que ela vê.
Sabe aquela feminista que virou anti-feminista? Aquele tio comunista que virou bolsonarista? Aquela direitista ferrenha que virou lulista? Conheço todas essas pessoas e todas elas tem em comum a mesma coisa: caíram no amparo do grupo que antes era rival. Ah, sabe o que é cancelamento? É a expulsão do grupo. Mas hoje é a política de maior coerção social.
Por que as pessoas acreditam em fake news e compartilham mesmo assim? As pessoas estão dispostas a qualquer coisa para proteger seu ideal de verdade. Em Outras épocas, a gente se matava em praça pública. Mentir sem receio me parece até mais civilizado (risos). Me choca menos para falar a verdade.
Não existe política fora da pedagogia. A política não se resume a defesa do partidarismo. A verdadeira política é a prática pedagógica para educar seres humanos a exercerem sua própria humanidade a partir da autonomia. Na arte da pedagogia, o bom exemplo e o acolhimento é o que possibilitam seres humanos a serem gentis e responsáveis. Serve para crianças e também para adultos.